Entrevista – MEM

Tarefa: Escolher um educador musical-musicista, entrevistá-lo e registrar as impressões/ reflexões.

Quem eu entrevistei? Viviane XXX, educadora musical há mais de 20 anos, Técnica em Piano e Licenciada em Educação Artística com Habilitação em Música. Viviane atua em escolas da rede regular de ensino como professora de música.

Com que faixa etária você trabalha? Dou aulas para crianças da Educação Infantil até o Ensino Fundamental I.

Quanto tempo dura cada aula de música? Para a Educação Infantil as aulas são de 30 minutos e para o Ensino Fundamenal as aulas são de 45 minutos, uma vez por semana.

– Como você seleciona os conteúdos? Você tem liberdade para escolher o que quer ensinar ou a escola define as diretrizes de seu trabalho? Eu tenho liberdade de escolha, mas devo conciliar minhas propostas com o calendário escolar (festas e apresentações).

– Como você vê as aulas de música vinculadas às apresentações do calendário? Eu não gosto… é bem complicado…. às vezes gostaria de trabalhar uma ou outra coisa e não consigo ter tempo por conta de determinada festa, principalmente porque só tenho uma aula por semana.

Você concentra suas aulas em determinado assunto (canto, jogos, bandinha, flauta, outros)? O foco de minhas aulas é o canto. Adoro cantar e acredito que o canto dá uma boa formação musical às crianças, através da percepção, do processo de escuta, a memorização das canções, em tonalidades diferentes, enfim…. Utilizo sempre o teclado ou o violão e cantamos sempre “ao vivo”, não gosto de utilizar cd’s para a prática do canto. 

– Que outros conteúdos você trabalha além do canto? Eu trabalho o desenvolvimento do senso rítmico e jogos de escuta para as crianças da Educação Infantil e para as crianças do Fundamental também trabalho a bandinha rítmica e a flauta doce para alunos a partir do 3o. ano.

– E o trabalho musical com o corpo, você acredita que isso é importante?  Eu começo a aula com um aquecimento / alongamento corporal e alguns vocalizes, mas todo esse trabalho é específico para a prática do canto. Não trabalho o imaginário das crianças ou improvisos corporais… já li sobre isso  e achei interessante, mas pra dizer a verdade não sei como trabalhar o corpo na música… ou a música no corpo….  às vezes nós dançamos alguma coisa, brincamos de estátua, mas não é sempre… talvez eu não saiba como trabalhar adequadamente, pois as vezes que fiz esse tipo de atividade virou muita bagunça.

– Se você já leu sobre isso e acredita que pode ser importante, já pensou em procurar saber um pouco mais, fazer algum curso para trazer de maneira adequada o corpo presente nas aulas de música?  Tudo é muito corrido. Não tenho sala ambiente e acho que para a atividade com o corpo é preciso de mais espaço, sem carteiras atrapalhando. Fiz outros cursos, focando assuntos que me interesso mais. Os caminhos na música são muitos, não dá tempo mesmo de fazer tudo…. temos que fazer escolhas. Isso é um fato. Na escola em que trabalho as crianças têm aula de teatro dentro da grade curricular… acredito que o trabalho com o corpo já está sendo bem trabalhado lá….

Existe algum chamado de atenção para o corpo durante o cantar ou o fazer musical das crianças? sim, durante o canto eu sempre chamo a atenção de algum aluno que não está com uma postura adequada para a respiração por exemplo ou mesmo tocando flauta.

– Como você percebe seu corpo enquanto está dando aulas? (risos) eu estou bem cansada… são mais de 20 anos! fico bastante em pé, ando de uma sala para outra… enfim… é corrido… procuro me manter com uma postura correta, principalmente durante a regência do canto.

Minha amiga Viviane desenvolve um trabalho muito bonito com as crianças,  já tive oportunidade de assistir algumas apresentações. Sei de sua seriedade e comprometimento com seu trabalho. Porém trabalhamos de maneira um pouco diferente. Eu não privilegio de maneira acentuada nenhum conteúdo, ou seja, eu procuro dividir as aulas sempre em quatro partes: canto e/ou flauta, jogos rítmicos, vivência de elementos da linguagem musical, expressão corporal x escuta. Um ponto evidentemente diferente em nós é essa questão do corpo presente na aula de música. Assim como ela, muitas vezes também não sei direito como integrar o corpo e a música em determinado assunto ou repertório,  mas eu já tive oportunidade de fazer alguns ótimos cursos sobre isso, como os da Enny Parejo, que enfatizam bastante a presença do corpo na educação musical. Também pude conhecer as propostas de inúmeros educadores musicais que enfatizaram a importância do corpo na educação musical, como Dalcroze, Violeta Gainza, Teca Alencar de Brito, entre outros. Para mim é importantíssimo que meus alunos experienciem essa intersecção.  O corpo presente também contribui muito para a atividade de escuta das crianças…. Eu procuro trabalhar seu imaginário, criando personagens por exemplo.

Fui uma adolescente bastante tímida e introvertida, sei que faltou estímulo para eu me soltar, não ter vergonha, ter mais auto-confiança e auto-estima. Esse é um dos motivos pelos quais eu sempre trago o corpo para a aula de música, sempre proponho atividades que envolvam algum tipo de criação corporal. Acho que isso pode ajudar minhas crianças a não serem como eu fui. Quando tem alguém com mais dificuldades eu pego a lata de lixo e passo pela sala e proponho que cada um jogue o que não está legal e diga em voz alta o que está jogando fora: a vergonha, o medo, a preguiça… eles acham graça e entram “na minha”…  acabam fazendo e gostando das propostas corporais. Tem funcionado!

 É verdade o que  Viviane diz sobre o tempo ser curto mas eu acho importante propiciar às crianças várias propostas diferentes, de vários assuntos: tudo contribuirá para sua formação. Eu conheço professores de música que fazem seus alunos tocarem flauta durante toda a aula. Acho isso lamentável.  As crianças acabam por detestar a aula e a música da escola não tem nada a ver com a música da sua vida lá fora. Busco que minha aula de música afete meu aluno, que ele goste e queira estar lá, que ele leve algo de bom para casa. Percebo que as atividades com o corpo em geral são muito bem aceitas. Mesmo em situações que não tenho sala ambiente nos emaranhamos por entre as carteiras e quando possível também as empurramos. Sempre dou um nome para a “brincadeira” e eles pedem mais! vamos fazer a “tal”? a “tal”? é divertido!

Eu não acredito na importância da improvisação só com o corpo, mas também no próprio fazer musical. Assim,  propostas de sonorizar uma história com uma caixa sonora cheia de surpresas, fazer uma conversa de malucos com clavas ou tocar ao piano teclas brancas ou pretas e “bater um papo a quatro mãos” são igualmente valiosas. Para mim, a improvisação é uma ferramenta pedagógica que deve permear todo o processo de educação musical e começar o quanto antes, para que se torne uma prática natural, cotidiana. A prática da improvisação possibilita à criança ao mesmo tempo a vivência de elementos da linguagem musical, como ritmo, pulsações, dinâmicas, melodias e o desenvolvimento de capacidades humanas importantes, como a concentração, a autodisciplina, autoconhecimento, o trabalho em equipe, o senso crítico, a imaginação, entre outros. O exercício da improvisação abre espaço ao diálogo e ao convite a reflexões. Quisera eu ter tido professores que valorizassem a improvisação nas aulas de educação artística  ou nas aulas de piano no conservatório!

Embora a pedagogia contemporânea considere importante a participação da pessoa como ser pensante que constrói e explora sua criatividade,  ainda existem preconceitos com atividades de improvisação.  Muita gente pensa tratar-se de uma “brincadeira”. Isto porque para o senso comum, improvisar “é fazer, preparar ou inventar algo às pressas, sem plano ou organização prévia”.  Porém, vale lembrar as sábias palavras do mestre Koellreutter: “improvisar não é fazer qualquer coisa, mas é uma atividade séria, que requer preparação”. E ainda segundo Teca Alencar de Brito, “para improvisar é sempre necessário articular o pensamento, as idéias e as ações; conhecer e contar com um repertório de informações a respeito do assunto; estar alerta, animado, com iniciativa e criatividade para relacionar, fazer, inventar.”

Cabe  mim,  enquanto educadora musical, buscar conhecer mais sobre a intersecção do corpo e a música,  saber que objetivos quero alcançar com meus alunos e como farei para alcançá-los através das propostas de improvisação. Tenho o desejo e a esperança que essas propostas ajudem minhas crianças a tornarem-se seres humanos mais sensíveis, criativos e reflexivos.

1 Responses to Entrevista – MEM

  1. melina disse:

    Rosângela, belo trabalho. Vejo que a entrevista gerou reflexões valiosas sobre o ensino de música. No caso desta disciplina, o enfoque é corpo e expressão pelo movimento, mas logicamente, valorizo todos os conteúdos pertinentes à uma aula de música. O que desejo com as nossas aulas é sensibilizar vcs, educadores musicais, para um olhar mais ampliado sobre os alunos que, assim como nós, são seres corporais.
    Eu também acho que o desenvolvimento de propostas de criação – improvisação e composição sejam fundamentais para a formação em Artes…

    Abraço, Melina

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